Neste ano consegui tomar a decisão de participar do campeonato com uma boa antecedência e utilizei este tempo a meu favor. Desde o começo fiz um planejamento de tudo que precisava e gostaria de fazer antes do campeonato, mas de maneira realista. Não adiantava tentar correr atrás de todas as navegações que não tinha feito nos últimos anos. A idéia foi ser objetivo para me preparar da melhor forma com o que tinha a mão. Tentei adequar todas as atividades a rotina do meu dia-a-dia que não costuma ser muito simples: casa-trabalho-casa-estudo-academia-viagens-casa… Devagar, mas sempre para frente, e assim consegui fazer praticamente tudo que planejei.

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Uma atividade que já havia iniciado mesmo antes de pensar em ir para o campeonato era ler o livro do Henrique Navarro. Quando decidi participar no campeonato dei um gás a mais na leitura. O livro do Navarro é ótimo. Eu gosto muito do jeito descontraído que ele escreve, deixando a leitura divertida, mas ao mesmo tempo cheio de dicas no meio das histórias. É muita informação e fica difícil de absorver em uma primeira leitura. Valia a pena ter feito anotações enquanto lia o livro, mas vai ser uma boa desculpa para ler novamente.

Navarro, se eu não ficar pelo menos 5km/h mais rápido depois da leitura do seu livro quero o meu dinheiro de volta!

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Uma das idéias que veio da leitura do livro foi maximizar os dias de voo em Formosa. Eu e Weber estávamos trabalhando a idéia de ir para LEM (Luis Eduardo Magalhães) antes ou após o campeonato. A idéia seria fazer a marca dos 500km, que tenho certeza que sairia facilmente com a meteorologia local. Mas pensando com calma, a marca de 500km vai vir na hora adequada sem problemas. Pareceu mais razoável maximizar os voos de treinamento em Formosa e aproveitar o campeonato em sua plenitude.

Decidi voar como treinamento na semana anterior ao início do Campeonato Brasileiro, quando estaria acontecendo o Campeonato Centro-Oeste. Deu para encaixar 5 dias de voo de treinamento com os 10 dias de férias que tinha disponível. A idéia é participar como “Hors Concours”, sem estar competindo oficialmente. Ainda assim, meu plano é voar as provas marcadas para o dia como se estivesse mesmo competindo e conhecer a região e características da meteorologia.

Com isto, o planejamento para o treinamento e campeonato ficou da seguinte forma, também de acordo com a disponibilidade da nossa equipe:

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Preparação do Planador

O Discus B1 foi reformado sob a responsabilidade do CVV-CTA, e por este motivo o clube ficou de posse dele por três anos. No final deste campeonato ele deve ser redistribuído de acordo com o Ranking de 2017. No aspecto visual o planador está muito bom, mas preferi olhar com mais detalhe para ter certeza disso. Em alguns dias que estava dando instrução no clube dediquei algum tempo para uma análise cuidadosa do B1.

A pintura está muito boa, mas a superfície um pouco rugosa devido a muito tempo sem polimento. Como aerodinamicista tenho a plena convicção, baseada em fatos e dados, que a maior rugosidade pode antecipar a transição da camada limite do escoamento laminar para o turbulento, o que acarreta em aumento de arrasto. Um polimento cuidadoso poderia me garantir alguns percentuais de corda da asa a mais de laminaridade… Tentador, mas será que vale o trabalho? Na prática acredito que a diferença do polimento não pode ser percebida em voo. Uma decisão errada vai afetar muito mais seu resultado do que um pouco mais de eficiência no planeio. Por outro lado o polimento, além de melhorar a aparência do planador e dar um ganho no desempenho, facilita a limpeza durante todos os dias de campeonato. Decidi polir.

Sábado passado (19/08) foi o fatídico dia do polimento. No CVV-CTA temos uma boa politriz que opera com duas boinas que giram em sentido contrário, o que facilitou bastante o trabalho. O Guilherme Ranna e Walter Machado se voluntariaram a me ajudar e de uma maneira geral foi mais fácil do que o esperado. Cinco horas de pura diversão, enquanto fora do hangar chovia o que não havia chovido nos últimos 40 dias. O planador ficou mais liso, mais branco e menos aderente a sujeira.

Outro ponto que me tomou algum tempo foi um ajuste fino da porta do trem de pouso. Por alguma razão desconhecida o alinhamento delas não estava tão bom quanto já foi. Havia um degrau de cerca de 15mm na frente de umas das portas. Algumas dicas do Bassi e três horas de trabalho não resolveram este problema. Tive que aumentar um pouco a tensão da mola e colocar alguns calços para garantir o alinhamento. Não chegou a ficar perfeito, mas o degrau ficou menor que 3mm o que julguei razoável dada a condição inicial.

O B1 da FBVV possui um variocímetro (equipamento que serve como vário sonôro e speed to fly) da marca Zander que deve ter uns 20 anos de idade. Apesar disso não tenho nada contra equipamentos “experientes” e sempre me dei bem com o Zander. A idéia original era voar o campeonato com o Zander mesmo, mas por algum motivo ele parou de funcionar. Passei a tarefa de resolver este problema para o Roosevelt que cuidou de trazer o equipamento a vida novamente. Resolvi fazer um voo para ver se estava tudo funcionando, e como o Roosevelt me informou que teve que trocar a bateria, dei uma olhada no manual se precisaria entrar com os dados da polar de arrasto do planador novamente. Foi quando minha opinião mudou.

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Descobri que o Zander estima a polar de arrasto baseado somente no dado de L/D máximo e a carga alar. Duvidei que fosse possível estimar uma polar de arrasto baseada apenas nestes dois parâmetros, trabalho no dia-a-dia com polar de arrasto a anos! Parei para fazer alguns equacionamentos e, para minha surpresa, é possível estimar a polar de arrasto quadrática de 2 termos com estes dois parâmetros. Ainda assim, não fiquei confortável em saber que polar que estava lá tinha apenas dois termos. Lembrei mais uma vez da dica do Navarro que todo piloto deve conhecer a polar de arrasto e decidi aprofundar um pouco no assunto.

Digitalizei a polar de arrasto do manual Discus e depois de algumas contas transformei a polar de velocidades em uma polar de coeficientes aerodinâmicos (CL e CD), pois tenho mais facilidade para trabalhar com estes termos. A partir daí fiz uma aproximação com dois e três termos para ver a diferença que faria. O resultado é apresentado no gráfico abaixo.

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A polar original para duas cargas alares são as linha cheias. A polar de 3 termos é representada por “bolinhas”. Uma aproximação bem razoável. Já a polar de 2 termos, representada pela linha tracejada, se afasta bastante da polar original para altas velocidades, especialmente para o caso de baixa carga alar.

O famoso autor alemão do livro “Cross-Country Soaring”, Helmut Reichmann, deixou bem claro que o mais importante na navegação é selecionar as térmicas fortes, e nem tanto a precisão na velocidade indicada pelo MacCready que se está voando. De qualquer maneira, tudo isso me fez pensar sobre o assunto.

Lembrei que alguns colegas do clube tinham um LXNav V7, variocímetro moderno que considera uma polar de 3 termos, que ia passar o campeonato inteiro dentro de uma caixa. Pedir emprestado não custava nada, e o pessoal topou me deixar fazer as engrenagens trabalharem durante o campeonato. Agradecimentos ao Torrecillas, Gregori e Macul pelo empréstimo! Valeu!

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E lá se foi mais um sábado de muitas soldas e conectores para tornar a instalação do V7 “plug & play” no Discus. No dia seguinte fiz um voo de teste de toda a instalação.

Estudos adicionais

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Além do livro do Navarro decidi dar uma repassada no Helmut Reichmann, que já havia lido um tempo atrás. A verdade é que Reichmann é bem objetivo e a parte prática do livro pode ser lida rapidamente. Alguns tópicos com relação a “speed-to-fly” merecem destaque.

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Reichmann deixa claro, e mostra matematicamente, que o mais importante é selecionar as térmicas mais fortes. O gráfico abaixo mostra como um erro de ajuste de MacCready compromete o voo. Para o planador utilizado de exemplo (Standard Cirrus) um ajuste de MacCready em 2.0m/s enquanto a condição real é de 3.0m/s vai resultar em uma velocidade média 1.5% menor.

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A contra partida é que voando mais lento você ficará mais alto, o que aumenta a chance de encontrar boas térmicas e não ter que abaixar o valor do MacCready porque ficou baixo. Parece um bom custo benefício. Em 2015 quando participei não possui este conceito claro, e apliquei o MacCready nominal. Acredito que por ter sido um pouco agressivo nas velocidades tenha sido forçado a girar térmicas mais fracas. Este ano pretendo aplicar a teoria de voar um pouco mais lento. Vou poder testar nos dias de treinamento e ver no que dá.

Os outros 99 itens do planejamento e preparação

Participar de um campeonato já dá um trabalho razoável, quando este acontecerá a 1.100km de casa exige um trabalho ainda mais cuidadoso em termos de planejamento. Planejamos o translado em dois dias, parando próximo a Cristalina, já em Goiás. No primeiro dia vamos rodar 930km e 178km no segundo dia. A idéia foi tentar chegar um pouco mais cedo no domingo para descansar para segunda-feira, que já é dia de voo. O Weber na verdade vai aproveitar para visitar a família que mora em Brasília.

No começo deste ano decidi vender o carro porque praticamente não estava utilizando. O custo benefício estava baixo e foi a melhor decisão. Nesta época, mesmo sem saber se iria ao campeonato, considerei que mesmo alugando um carro para o campeonato ainda valeria a pena ficar sem carro. Realmente não tem feito falta no meu dia a dia, mas me deu um pouco de dor de cabeça acertar esta questão para o campeonato. A boa notícia é que meu cunhado também não está utilizando muito o carro dele e topou me emprestar. Valeu Thobias!

Para fazer um translado seguro com a carreta fiz uma revisão no carro e instalei um engate de primeira linha. Também dei uma boa inspecionada na carreta e aproveitei para trocar os parafusos das rodas, que estavam um pouco velhos. Ano passado o Lousada do CVV-CTA não teve uma boa experiência com a carreta do Jantar durante o retorno do campeonato no Rio Grande do Sul. Três parafusos que seguravam a roda cisalharam. Melhore prevenir.

Os pilotos do Brasil circulam um check-list para participação em campeonatos e acampamentos. Utilizei este check-list como guia e adaptei ao meu uso. De uma maneira resumida as atividades foram as seguintes:
• Reservar hotéis;
• Fabricar camisas e adesivos;
• Verificar toda documentação pessoal, do planador e da carreta;
• Estacas e corda para pista;
• Estacas e corda para pouso fora;
• Panos e balde para limpeza;
• Lanterna para o caso de pouso fora;
• Muitas pilhas, carregadores e cabos;
• Fita isolante para selar as frestas do planador;
• Itens de voo: paraquedas, rádio, GPS e GoPro;
• Carregar pontos de GPS e mapas;
• Instalar software para GPS e edição de vídeos;

Deu trabalho, mas foi tranqüilizante estar com tudo pronto uns dias antes. Todo este trabalho é recompensado na hora do voo e do campeonato. Os visuais incríveis que virão, o desafio de voar mais rápido, quebrar recordes pessoais, voar com outros planadores, conhecer outras pessoas e curtir o clima de campeonato que é único. Tudo isso faz o esforço valer pena!

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